Palavras Transgénicas

Porque as palavras são o que o Homem quiser

Friday, May 08, 2009

O regresso de Henrique Matias (a.k.a. Henrique Matias, micador profissional)

Henrique Matias foi micador profissional. Antes de se prender à contabilidade da casa de ferragens medíocre, Henrique Matias teve uma gloriosa (mas efémera!) carreira a colocar folhas em micas. Foram os doces anos dourados. Os loucos vintes... Hoje quando vê uma mica ainda sente o espírito rebelde do estroino que foi um dia a aflorar no seu peito.
Ser micador profissional era moda. Qualquer jovem que se prezasse queria ser micador. Uma pessoa que nunca tinha micado era uma aberração social. Na época, Henrique Matias não sabia o que era uma mica. Culpa do pai, que por o ter abandonado e à mãe quando tinha apenas 8 anos, o obrigara a crescer muito depressa e alheio às últimas novas da sociedade. Enquanto os colegas micavam, Henrique Matias ía à mercearia do Senhor Aguinaldo comprar pão e leite e arroz ao quilo. Ou fazia a lide da casa enquanto a mãe cumpria as suas duras obrigações de porteira.
Um dia, o Zeca, filho do Dr. Lopes do 5º esquerdo, que andara com ele à escola, descobriu que Henrique Matias não sabia micar. E que nem sequer sabia o que era uma mica. E o pobre Henrique Matias foi a chacota da praça Viriato! Então Henrique Matias saiu de casa. Não podia continuar assim. Alugou um quarto na Pensão da Tia Ermelinda, que ficava na rua de trás, e empregou-se como micador num escritório fino, lá no centro da cidade.
Finalmente Henrique Matias sabia o que era uma mica. Os meses foram passando e Henrique Matias tornou-se num micador profissional. Até recebeu uma oferta de emprego do escritório da frente, da companhia rival daquela. E agora Henrique Matias exibia ao peito com orgulho um cartão identificador que dizia, em letras impressas e tudo:
HENRIQUE MATIAS
MICADOR PROFISSIONAL
E quando o Zeca do 5º esquerdo o voltou a ver os seus olhos brilharam de admiração. O pai do Júlio do talho da esquina abraçou-o e com as lágrimas ao canto do olho dizia que sempre tinha tido lá para com ele que ali o Matias ainda haveria de ser alguém! Que talento! Que prodígio!
Mas um dia Henrique Matias viu a sua vida mudar drasticamente. As caimbras começaram a atacá-lo. E ser micador tornou-se num sofrimento terrível, maior do que quando o ToZé do prédio da frente lhe partira o nariz com uma bolada.
E assim acabou a promissora carreira de micador profissional de Henrique Matias.